O que são navios não tripulados e veículos marinhos não tripulados (UMVs)?

Não existe nenhuma definição legal sobre o que sejam navios não tripulados ou UMVs. Nem o direito internacional, nomeadamente a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (CNUDM), nem a legislação portuguesa definem o que são navios não tripulados e UMVs. Existe, assim, uma lacuna quer quanto à definição quer quanto às regras que são diretamente aplicáveis ao uso de navios não tripulados e UMVs nas diferentes zonas marítimas.

* Para efeitos do projeto MARINFO, os navios não tripulados são navios a serem usados no transporte marítimo com a principal característica de não terem presença humana a bordo. Os UMVs correspondem a veículos sem cabo de ligação, autopropulsores e energeticamente autónomos a que acresce a capacidade de movimento sem presença humana a bordo. Os UMVs podem integrar diferentes tipos de veículos: (i) veículos de superfície não tripulados, (ii) veículos subaquáticos não tripulados e (iii) veículos anfíbios.

Como se enquadram os navios não tripulados e os UMVs no âmbito do regime estabelecido pela CNUDM?

A CNUDM estabelece o regime jurídico para as atividades desenvolvidas no oceano e, apesar de não reconhecer diretamente a existência de navios não tripulados e UMVs, os seus princípios e regras aplicam-se às suas operações. Em teoria e se adotarmos uma interpretação dinâmica da CNUDM, os navios não tripulados são classificados como navios, apesar da sua natureza não tripulada. Por sua vez, os UMVs, dispositivos flutuantes de menor dimensão, podem ser enquadrados na categoria de equipamento, especialmente quando usados na investigação científica marinha prevista na Parte XIII da CNUDM.

Porque podem os navios não tripulados ser classificados como navios à luz da CNUDM?

Não existe nenhuma definição universal de navio que seja dada pela CNUDM, que apenas define o que são navios de guerra. A doutrina tem defendido que, dependendo das suas características, os navios autónomos podem ser efetivamente navios uma vez que nada no direito internacional obrigada a que um navio seja tripulado.

As convenções marítimas internacionais são aplicáveis aos navios não tripulados?

Depende. Por regra, as convenções marítimas internacionais adotam a sua própria definição de navio. Se um determinado navio não tripulado cumprir com os requisitos da definição de determinada convenção internacional, tal convenção internacional aplicar-se-á às operações desse navio não tripulado que terá de cumprir com os seus princípios e regras. É provável que muitas convenções tenham de ser alteradas, porque determinadas normas foram pensadas para navios tripulados.

Podem os navios não tripulados ser classificados como navios de guerra ao abrigo da CNUDM?

A CNUDM impõe que um navio de guerra esteja sob o comando de um oficial devidamente designado pelo Estado e por tripulação submetida às regras da disciplina militar. No entanto, a doutrina tem defendido que esta regra se deve aplicar aos comandantes e à tripulação remota ou em terra, desde que estas estejam sujeitas às regras da disciplina militar.

(Artigo 29.º, CNUDM)

São os navios não tripulados e os UMVs titulares do direito de passagem inofensiva pelo mar territorial de um terceiro Estado?

Se entendermos que os navios não tripulados são navios, os mesmos são titulares do direito de passagem inofensiva no mar territorial de terceiros Estados. Neste caso, quando atravessarem o mar territorial, os navios não tripulados têm de cumprir com as regras e regulamentos que o Estado costeiro tenha adotado sobre a passagem. Os UMVs classificados como equipamento não são titulares per se do direito de passagem inofensiva. Situação diferente é o caso de uso de equipamento classificado como UMVs no contexto de atividades autorizadas pelo Estado costeiro.

(Artigos 17.º a 21.º, CNUDM)

Quais são as obrigações do Estado de bandeira em relação a navios não tripulados?

Se um Estado permitir que um navio não tripulado arvore a sua bandeira tem de exercer de modo efetivo jurisdição e controlo em questões administrativas, técnicas e sociais sobre ele e sobre o comandante e a tripulação remota. Também tem de manter um registo dos navios não tripulados que arvorem a sua bandeira e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a sua segurança no mar.

Podem os Estados adotar a sua própria definição de navio não tripulado e UMV?

Sim. Qualquer Estado pode adotar a sua definição de navio não tripulado e UMV, uma vez que a CNUDM estabelece que as regras para o registo de navios e equipamentos são matéria da exclusiva responsabilidade do Estado de bandeira.

Que poderes coercivos podem ser exercidos pelo Estado costeiro no caso de se verificar passagem não inofensiva por parte de navio não tripulado no seu mar territorial?

Se um navio não tripulado atravessar o mar territorial de um Estado terceiro e não cumprir com as leis e os regulamentos em vigor relativamente à passagem, o Estado costeiro pode tomar as medidas necessárias para prevenir e reprimir a passagem que não é inofensiva. De acordo com os princípios gerais do direito internacional, o Estado costeiro pode requerer ao navio não tripulado para sair do mar territorial ou apresá-lo, se esta medida se revelar necessária e proporcional para parar a conduta ilegal.

(Artigo 25.º, CNUDM)

Pode o Estado costeiro impor condições à entrada de navios não tripulados e UMVs nas suas águas interiores ou nos portos?

Sim. O Estado costeiro tem soberania sobre as suas águas interiores e pode impor as condições que desejar para a entrada de navios não tripulados e UMVs nas suas águas interiores ou portos. Assim, pode especificar os portos que estão abertos a navios não tripulados e UMVs, impor determinadas condições para a sua entrada, incluindo relativamente a questões de segurança, e pode recusar a sua entrada, mesmo nos casos em que o navio não tripulado ou o UMV esteja em situação de perigo, desde que tal recusa não seja discriminatória nem constitua abuso de direito.

(Artigo 2.º, CNUDM)

Como se classificam, à luz da CNUDM, os pequenos UMVs usados para efeitos de investigação científica marinha?

Os pequenos UMVs usados para efeitos de investigação científica marinha podem ser classificados, nos termos da Parte XIII da CNUDM, como equipamento. Apesar de a CNUDM não definir o que é, o equipamento é normalmente definido por contraposição às instalações, que são estruturas fixas. O equipamento normalmente não é fixo ao fundo do mar, não tem direito ao estabelecimento de zonas de segurança à sua volta, pode ser rapidamente lançado e recolhido sendo normalmente usado para uma específica finalidade.

Enquanto equipamento, quais são as obrigações legais decorrentes da CNUDM que os UMVs devem cumprir?

Enquanto equipamento, os UMVs devem possuir marcas de identificação que indiquem o Estado de registo ou a organização internacional a que pertencem. Os UMVs também devem ter sinais de aviso internacionalmente acordados tendo em conta as regras e as normas estabelecidas pelas organizações internacionais competentes. No entanto, até agora, tais regras ainda não foram adotadas.

(Artigo 262.º, CNUDM)

Quando os UMVs são usados em projetos de investigação científica marinha, é obrigatória a sua identificação no projeto?

Sim. Quando um Estado ou uma organização internacional submete um projeto a um terceiro Estado para investigação científica marinha em área sob sua soberania ou jurisdição, tem de prestar ao Estado costeiro informação detalhada, nomeadamente sobre os métodos e os meios a utilizar, incluindo o nome, a tonelagem, o tipo e a categoria das embarcações e uma descrição do equipamento científico a ser usado na investigação. Por isso, sendo classificados como equipamentos, os UMVs devem ser devidamente identificados no documento do projeto.

(Artigo 248.º, CNUDM)

Pode o Estado costeiro pode aprovar legislação nacional relativamente ao uso de UMVs em projetos de investigação científica?

Sim. O Estado costeiro tem o direito de regular a investigação científica marinha nas áreas marítimas sob sua soberania ou jurisdição. Na regulação da investigação científica marinha, o Estado costeiro, no exercício do seu poder de legislar, pode determinar, prescrever e impor condições sobre os métodos de investigação e pode restringir o uso de outros. Este poder é mais limitado na zona económica exclusiva e na plataforma continental do que no mar territorial.

(Artigos 245.º e 246.º, CNUDM)

Pode um UMV ser lançado no mar territorial de um terceiro Estado sem a sua autorização expressa ao abrigo do regime jurídico da investigação científica marinha?

Não. De acordo com a Parte XIII da CNUDM, o Estado tem de dar autorização para a realização de determinado projeto de investigação científica marinha no seu mar territorial e, consequentemente, para o lançamento de qualquer UMV. No entanto, o Estado tem a possibilidade de dispensar na sua legislação interna, o consentimento expresso, se assim o entender. Se tal não acontecer, o lançamento de qualquer UMV no mar territorial para efeitos de investigação científica marinha depende sempre da autorização prévia do Estado costeiro.

(Artigo 29.º, CNUDM)

Pode um UMV ser lançado na zona económica exclusiva ou na plataforma continental de um terceiro Estado sem a sua autorização expressa ao abrigo do regime jurídico da investigação científica marinha?

Sim. De acordo com a Parte XIII da CNUDM, o lançamento de UMVs na zona económica exclusiva ou na plataforma continental de um terceiro Estado não pode ser feito sem o seu consentimento. No entanto, de acordo com a CNUDM, há duas situações em que o consentimento do Estado se considera tacitamente dado ou presumido: (i) o consentimento considera-se tácito se após seis meses da data em que tenha sido submetido o documento de descrição do projeto, o Estado não tenha dado o seu consentimento expresso nem  se tenha manifestado nos quatro meses seguintes à submissão do pedido; (ii)  presume-se ainda que o Estado costeiro deu o seu consentimento se o projeto de investigação científica marinha, que inclua o lançamento do UMV, for feito por organização internacional ou sob os seus auspícios e o Estado costeiro tenha aprovado o projeto de acordo com as especificações da organização ou tenha expressado a sua vontade de participar diretamente no projeto e não tenha formulado qualquer objeção ao mesmo dentro de quatro meses a contar da data em que o projeto lhe foi notificado.

(Artigos 252.º e 247.º, CNUDM)

Quais são as situações em que o Estado costeiro não tem o direito de recusar o consentimento para o lançamento de UMVs na sua zona económica exclusiva ou na plataforma continental ao abrigo do regime jurídico da investigação científica marinha?

De acordo com a Parte XIII da CNUDM, em circunstâncias normais, o Estado costeiro não tem o direito de recusar o seu consentimento para o lançamento de UMVs em projetos de investigação científica marinha “pura”, que são aqueles executados exclusivamente com fins pacíficos e com o propósito de aumentar o conhecimento científico do meio marinho em benefício de toda a humanidade. Excecionam-se do consentimento vinculado os casos em que os UMVs sejam usados em projetos de investigação científica que impliquem perfurações na plataforma continental, que utilizem explosivos, introduzam substâncias nocivas no meio marinho ou impliquem a construção, funcionamento ou utilização de ilhas artificiais, instalações ou estruturas.

(Artigo 246.º, CNUDM)

Quais são os casos em que o Estado costeiro tem o poder discricionário de recusar o consentimento para o lançamento de UMVs na sua zona económica exclusiva ou na plataforma continental?

De acordo com a Parte XIII da CNUDM, o Estado costeiro tem o poder discricionário de recusar o consentimento para o lançamento de UMVs em projetos de investigação científica marinha, nas seguintes situações:

  1. se o projeto tiver influência direta na exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não vivos;
  2. se o projeto  implicar perfurações na plataforma continental, a utilização de explosivos ou a introdução de substâncias nocivas no meio marinho;
  3. se o projeto implicar a construção, funcionamento ou utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas;
  4. se a informação prestada ao Estado costeiro foi inexata ou houver obrigações pendentes não cumpridas em projeto anterior. 

De acordo com a Parte XV da CNUDM, a recusa do Estado costeiro não está sujeita aos mecanismos compulsórios de resolução de litígios previstos na CNUDM, pelo que o Estado ou a organização internacional proponente têm de cumprir com a decisão do Estado costeiro e não proceder ao lançamento do UMV.

(Artigo 246.º, CNUDM)

Qual é a entidade que em Portugal tem competência para receber pedidos relativos a projetos de investigação científica marinha e dar o respetivo consentimento?

No caso de se subsumirem no quadro do Decreto-Lei n.º 38/2015 (Artigos 47.º e 57.º), os projetos de investigação científica marinha apresentados por entidades nacionais devem ser submetidos à Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos que tem competência para emitir o título de utilização privativa do espaço marítimo nacional que autoriza a realização do projeto. Os projetos que incidam sobre as zonas marítimas adjacentes às Regiões Autónomas, até às 200 milhas náuticas, devem ser submetidos aos organismos competentes das Regiões Autónomas: no caso da Região Autónoma dos Açores à Direção Regional dos Assuntos do Mar; no caso da Região Autónoma da Madeira à Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais – entidades com competência para a emissão do título de utilização privativa que autoriza a implementação do projeto.

Os projetos de investigação científica marinha apresentados por entidades estrangeiras devem ser submetidos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que reencaminha os pedidos para as autoridades competentes.

(Decreto-Lei n.º 38/2015 e Decreto-Lei n.º 52/85)

Quais são as obrigações que a legislação nacional impõe aos UMVs usados em projetos de investigação científica marinha?

A entidade responsável pelo projeto de investigação está sujeita às seguintes obrigações no que aos UMVs diz respeito:

  1. Obrigação de informação – a memória descritiva e justificativa do projeto deve conter informação sobre o equipamento usado, inclusive relativamente a UMVs;
  2. Obrigação de manter o bom estado do ambiente marinho – esta é uma obrigação de todo o projeto, mas que se estende a todos os instrumentos e equipamentos usados. Por isso, os UMVs usados no projeto de investigação devem também cumprir esta obrigação;
  3. Obrigação de remoção – qualquer equipamento usado, que, por qualquer motivo, se tenha afundado, deve ser removido do ambiente marinho após o término do projeto.

(Decreto-Lei n.º 38/2015 e Decreto-Lei n.º 52/85)

Qual é o regime jurídico que se aplica a danos a pessoas ou coisas, nomeadamente navios e equipamentos, que sejam causados por navios não tripulados e UMVs em águas sob soberania ou jurisdição nacional?

À luz da legislação nacional, incidentes que envolvam navios não tripulados e UMVs podem ser classificados como acontecimentos no mar. No entanto, o regime jurídico previsto no Código Comercial para a colisão entre navios parece que só se poderá aplicar no caso de os navios não tripulados serem considerados como ‘navios’. Se o incidente envolver UMVs que sejam classificados como ‘equipamentos’, o regime do Código Comercial não se aplica. Em qualquer dos casos, existem diversos aspetos que carecem de ser discutidos e que se relacionam com a verificação dos requisitos da responsabilidade civil impostos pelo Código Civil, no caso de envolvimento de um navio não tripulados e UMVs numa colisão no mar.

Qual é o regime jurídico nacional que se aplica aos danos ecológicos causados ao ambiente marinho por navios não tripulados ou UMVs?

Ao nível nacional, o regime jurídico que se aplica os danos ecológicos causados ao ambiente marinho está previsto no Decreto-lei n.º 147/2008, de 29 de julho. Será possível que os danos ecológicos causados por navios não tripulados e UMVs sejam enquadrados neste regime, mas apenas quando os mesmos tenham sido causados culposamente por uma entidade que seja considerada “operador” para efeitos da lei. Também aqui existem várias questões técnicas que devem ser discutidas.

Existe algum seguro de responsabilidade civil que seja obrigatório pela legislação portuguesa para que os navios não tripulados e os UMVs possam legalmente navegar em águas sob soberania ou jurisdição nacional?

A legislação portuguesa impõe que exista um seguro marítimo para cobrir riscos de mar. No entanto, não existem regras que sejam especificamente aplicadas a seguro de navios não tripulados. Relativamente aos UMVs, a legislação nacional não obriga a que os UMVs tenham necessariamente um seguro de responsabilidade civil para poderem navegar nas águas sob soberania ou jurisdição nacional. No entanto, quando os mesmos sejam usados em atividades para as quais o seguro é obrigatório, esse seguro deve estender-se aos UMVs. Assim acontece, por exemplo, no caso da investigação científica marinha, onde é obrigatória a existência de um título de utilização privativa que depende da contratação de um seguro.

Quais são as obrigações dos titulares dos navios não tripulados e dos UMVs no caso em que o mesmo se afunde?

Os navios não tripulados devem ser obrigatoriamente removidos do ambiente marinho no caso de se terem afundado. Essa obrigação pertence ao proprietário, mas em certas condições de ameaça ao ambiente marinho, a remoção poderá ser feita pelas autoridades nacionais a expensas do proprietário. Os UMVs que sejam classificados como equipamento usados para projetos de investigação científica marinha devem ser obrigatoriamente removidos do ambiente marinho aquando da finalização do projeto, mesmo quando não se tenham afundado.

(Decreto-Lei n.º 64/2005 e Decreto-Lei 52/85)

As fotografias, os vídeos e os registos sonoros captados por UMVs podem ser aceites como prova perante os tribunais internacionais previstos na CNUDM?

Sim. As normas processuais que regulam os tribunais internacionais, nomeadamente o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, permitem que as partes possam apresentar, no âmbito da prova documental, fotografias, vídeos e registos sonoros. Não existem razões para fundamentar a recusa de tais provas, pelo facto de as mesmas terem sido recolhidas por UMVs.

As fotografias, os vídeos e os registos sonoros captados por UMVs podem ser aceites como provas perante os tribunais nacionais?

Em princípio, a prova que seja constituída por fotografias, vídeos e registos sonoros pode ser submetida aos tribunais nacionais na categoria de prova documental. A sua admissibilidade em processos crime é mais restrita do que nos processos cíveis porque as condições legais impostas para que as mesmas sejam consideradas admissíveis são mais exigentes e limitadas. No entanto, tal exigência não se relaciona com o facto de as mesmas terem sido recolhidas por UMVs.